quarta-feira, 18 de março de 2015

Em um dia de 1979, Centralia deu-se conta da verdadeira magnitude do perigo que levava anos ardendo sob seus pés. O proprietário de um dos postos de gasolina do povoado introduziu uma vara metálica em um dos tanques subterrâneos para comprovar seu nível de combustível. Havia feito milhares de vezes, mas nessa ocasião surpreendeu-lhe o quente que estava a vara quando a tirou. Desconcertado, decidiu comprovar a temperatura com um termômetro... Algo estranho acontecia, ao tirar o termômetro, este marcava 78°C.

Cartaz de advertência sobre o fogo

Ninguém sabe com total certeza como começou o princípio do fim de Centralia. Embora parece ser que foi em maio de 1962 em um aterro de lixo situado nas periferias do povoado. Como fazia todos os anos, a prefeitura havia contratado os serviços de uma empresa de controle de incêndios para que limpasse o aterro. Em outros anos, quando o depósito de lixo se encontrava em outro local, não havia tido problemas. Em 1962, no entanto, o aterro ocupava uma antiga mina a céu aberto abandonada.

Mapa de Centralia.

Centralia, como a maioria das cidades do nordeste da Pensilvânia, havia se dedicado durante muito tempo à mineração da inflamável antracite (quem tem a característica de quando em combustão, soltar chamas quase invisíveis) . Em 1962, com o progressivo abandono do carvão como meio de calefação em favor do gás e petróleo, a maioria das minas começaram a deixar de ser rentáveis e começaram a serem abandonadas. No entanto, Centralia ainda contava com uma população de aproximadamente 1.400 pessoas.

Uma das minas de carvão em 1864.

Como haviam feito outras vezes, os bombeiros amontoaram o lixo em um dos recantos do aterro e atearam fogo deixando arder durante um momento. Depois, apagaram as cinzas com uma mangueira. Era o habitual, mas desta vez, o fogo não se extinguiu corretamente, mas sim que seguiu queimando no subsolo e alcançou através de um buraco, uma mina vizinha abandonada de carvão. Antes de entrar em funcionamento, o aterro havia sido inspecionado para assegurarem que que todos os buracos de antigas prospecções que haviam no chão fosse selados com material incombustível para evitar precisamente isto. No entanto, ao que parece, ninguém consertou o buraco pelo qual o incêndio se estendeu até a mina.

Centralia em 1906.

Em um princípio, o fogo poderia ter sido extinguido facilmente, simplesmente, escavando totalmente a zona afetada. Segundo parece, um engenheiro de minas ofereceu-se para fazê-lo por apenas 175 dólares. Mais tarde, outro mineiro do povoado também se ofereceu e por um preço ainda menor, apenas em troca de uma parte do carvão. No entanto, o incêndio havia se convertido em um assunto estatal e um emaranhado burocrático impedia tomar as decisões de forma rápida. À medida que passava o tempo, o fogo mais se estendia e a possível solução mais cara ficava e se complicava.


Exploração mineradora em 1963.

Em julho daquele ano, o Departamento do Meio Ambiente levou a cabo uma série de sondagens para comprovar o alcance e a temperatura do incêndio. Alguns, no entanto, pensam que estas perfurações não fizeram mais que piorar à combustão ao proporcionar ao fogo uma via de ar natural. Também, são muitos os que criticam a maneira, um tanto desorganizada, como foi levada à luta contra o fogo. Em muitos casos, as valas eram escavadas usando a própria fumaça que se desprendia do chão como guia, quando o mais normal seria realizar antes algumas perfurações para determinar qual era o local mais adequado.

Trecho abandonado e fumegando (em dias frios) da Rota 61.

Com frequência acontecia, que quando acabavam de escavar uma vala, o fogo já havia passado ao outro lado. Tony Gaughan, autor do livro "Slow Burn" ("Queima lenta"), culpa o fracasso dessa estratégia à lentidão com que levavam a cabo os trabalhos. Empregavam um único turno, em vez de três e além disso, guardavam todas as festas e feriados. Um ritmo mais próprio de um trabalho rotineiro do que de uma emergência.

Avenida Locust em 1961 e 2001.

Em 22 de maio de 1969, tiveram que evacuar as três primeiras famílias de Centralia. Naquele mesmo ano, começaram a experimentar uma técnica diferente: injetar água com cinzas volantes (cinzas de combustível pulverizadas), areia úmida e argila sobre o incêndio para formar uma barreira que bloqueasse a passagem do oxigênio e "sufocasse" o fogo. Ao mesmo tempo, escavavam uma pequena vala que poderia ter posto a situação sob controle. No entanto, parece que um problema relativo a atribuição de fundos entre o governo do estado e o condado, atrasaram as duas tentativas. Enquanto, o fogo seguia se estendendo.

East Cenbter Street em 1986.

East Center Street 20 anos depois, em 2006.
Embora, em um primeiro momento, a maioria dos habitantes de Centralia haviam preferido ignorar a existência do fogo e minimizar sua verdadeira magnitude, as coisas mudariam durante a década de 1970, quando o monóxido e o dióxido de carbono começaram a entrar nas casas e os habitantes começaram a adoecer. A temperatura nos porões de muitas casas era tão alta que não precisavam de caldeiras d'água, o sistema comum de calefação nos EUA.

Gases saindo do subsolo.


O Departamento do Meio ambiente de Pensilvânia reagiu instalando detectores de gases na maioria dos lares da zona mais quente. Mas apesar da gravidade da situação, alguns habitantes recusaram a instalação dos detectores. Não queriam ser escravos de uma máquina, afirmavam. Outros, no entanto, preferiram comprar canários como contra-medida natural para detecção de gases. Se o pássaro desmaia ou morre, é sinal de que está na hora de fugir.

Gases do incêndio saindo do subsolo

Em 1980, após quase 20 anos de luta contra às chamas, o fogo seguia queimando e foi preciso transladar a outras 27 famílias para fora do povoado. Mas foi no ano seguinte quando um acidente fez disparar os alarmes definitivamente:

Uma das chaminés próximas do cemitério de Oddfellows.

Todd Domboski salvo do inferno

Foi em 14 de fevereiro de 1981, um sábado, quando a terra se abriu sob os pés de Todd Domboski, uma criança de 12 anos. Era um buraco de mais de um metro de diâmetro e de 46 de profundidade.
Naquele dia, algo estava acontecendo. Um grupo de pessoas importantes estava excursionando pela cidade. Eles eram na verdade políticos do estado da Pensilvânia que foram se reunir com funcionários da prefeitura de Centralia. Em uma cidade pequena, as notícias voam, e Florence Domboski enviou seu filho, Todd, em uma missão para determinar por que os forasteiros estavam lá.

Todd Domboski caiu em um buraco como este em 1981.

Ao longo do caminho, Todd notou colunas finas de fumaça saindo de uma área gramada, perto de uma árvore. Isto despertou a sua curiosidade, e ele andou para verificá-la. De repente, a terra se abriu debaixo dele. Ele afundou até os joelhos em um poço lamacento em meio à fumaça. Quanto mais ele se esforçava para se agarrar em algo e tentar sair, mais o chão se desmoronava.

Os gases vazavam provenientes do fogo da mina, e ele começou a gritar por ajuda. O tempo todo, ele foi afundando gradativamente até a cabeça, ficando a vários metros abaixo da superfície. Enquanto afundava, Todd conseguiu agarrar uma raiz exposta da árvore que estava nas proximidades. Ele continuou gritar por ajuda enquanto se segurava lutando por sua vida.

O primo dele, Eric Wolfgang apareceu em cena e foi capaz de puxar Todd para fora. Ele saiu coberto por lama quente, mas fora isso ele estava bem. Todd poderia muito facilmente ter morrido naquele dia. Análises posteriores mostraram que o buraco estava expulsando quantidades mortais de monóxido de carbono. Se ele tivesse permanecido lá por apenas alguns minutos mais, a asfixia teria provavelmente ocorrido e se houvesse caído até o fundo, morreria quase de maneira instantânea por causa da grande quantidade de gases acumulados na parte mais profunda.

O afundamento do terreno e a formação de imensas rachaduras era outro dos perigos que o incêndio oferecia ao povoado, à medida que o carvão era reduzido a cinzas abrindo espaços vazios.

Todd Domboski na época do acidente.

O incidente, que atraiu a atenção dos meios a nível nacional, acabou por dividir Centralia em duas. De um lado, os partidários da evacuação das pessoas e do outro, os que não queriam ir embora. Em 1983, um estudo independente afirmava que o incêndio era muito maior do que se pensava e já havia chegado ao subsolo do povoado. Foi recomendada a escavação de uma vala que cruzasse a cidade de norte a sul, dividindo-a em duas, o custo era de 62 milhões de dólares e não havia garantia de sucesso. A outra opção, era escavar totalmente a zona afetada, era mais segura, mas seu alto custo, mais de 650 milhões, descartava essa tentativa.

Ante esta situação, finalmente o governador propôs um plano voluntário de desalojamento e compra de todo o povoado. A proposta foi votada em referendo e os proprietários de Centralia aceitaram-na por 345 votos a favor e 200 em contra. O Congresso dos Estados Unidos contribuiu os 42 milhões de dólares necessários para comprar todas as casas, demoli-las e realocar os habitantes.

A evacuação de Centralia

A maioria dos habitantes, mais de 1.000, foram realojados em vilas próximas de Mount Carmel e Ashland. Foram demolidas mais de 500 edificações. No entanto, algumas poucas famílias, 63 moradores, preferiram ficar, não estavam dispostos a abandonar suas casas, pese às advertências oficiais. Não acreditavam que o fogo constituísse um perigo real para a parte da cidade em que eles estavam. Além disso, eram bastantes os que achavam que tudo era um complô do governo e sas companhias mineradoras para lhes arrebatar os seus direitos de extração, que eles haviam estimado estar em torno de vários milhares de milhões de dólares. Pois apesar de tudo, que o governo foi capaz de extinguir um fogo similar em um município próximo, por que descartou o emprego desses métodos em Centralia?

Uma das casas que foi habitada até 2006.

A primeira casa foi demolida em dezembro de 1984. Naquele momento, havia fogo embaixo de 140 hectares. Em 1991, já eram 250 o número de hectares afetados. Naquele ano da década de 1990, o governo do estado comprou outras 26 casas situadas a oeste da cidade, junto à Rota 61. No ano seguinte, 1992, o governador da Pensilvânia decidiu desapropriar o resto de casas e terrenos que restavam, ao considerar que o fogo havia se convertido em um perigo grande demais. Os irredutíveis habitantes que restavam, recorreram a decisão ante a justiça, mas fracassaram. No entanto, não se foram, ficaram convertidos em ocupantes ilegais do que havia sido os seus lares, embora com a vantagem de não ter que pagar impostos nem tampouco aluguel já que as casas não eram mais suas.

Comparando antes e agora.

Em 1997, só restavam 44 pessoas, uma população que foi minguando pouco a pouco desde então. Em 2000 eram apenas 21 pessoas de 7 famílias que ocupavam 10 casas. Quatro anos mais tarde, em 2004, havia uma casa e menos de três habitantes.

Na atualidade, não existe nenhum plano para combater o fogo, que segue se estendendo sem controle. Espera-se que dentro de 100 anos alcance os 1.500 hectares. As predições são que, a partir de então, ainda queime outros 150 anos mais até acabar o combustível. Sobre a superfície, Centralia tem mais a aparência de um campo com ruas asfaltadas do que de um povoado. Suas ruas e calçadas encontram-se cobertas por ervas daninhas, embora há algumas que parecem ter sido aparadas e limpadas.

Trecho da rodovia 61.

cresceram árvores novas e mal restaram algumas casas de pé, das quais apenas cinco estão ocupadas por moradores, o resto de construções foram demolidas pela ação do homem ou da própria natureza. A igreja que restou no povoado (que chegou a ter onze igrejas), e que não foi afetada pelo incêndio, continua celebrando os serviços dominicais e também se encontram em bom estado os quatro cemitérios (Apesar de um deles têm suas lápides afundando na terra) e o prédio da prefeitura.

Igreja de Centralia.

Prédio da prefeitura de Centralia.

Um dos cemitérios de Centralia, perfeitamente intacto.
No cartaz: "Mantenha-se fora - Mantenha-se vivo. Minas e pedreiras não são Playgrounds - Não invada - Invasores serão processados."

Atualemnte, à simples vista, os únicos sinais visíveis do fogo que queima sob a terra são várias chaminés metálicas na parte sul do povoado, além das placas que avisam do perigo do fogo subterrâneo, do chão instável ou do monóxido de carbono. Também na parte sul, pode se ver a fumaça e o vapor saindo de uma rachadura no trecho da Rota 61 e através das numerosas fendas que há por toda a zona próxima. Após vários reparos, este trecho da rodovia foi fechado ao tráfico em meados dos anos 90, quando foi construído um desvio para evitar a zona problemática.

Rota 61.

Após anos de atraso, o governo da Pensilvânia parece estar decidido a acabar com a situação dos irredutíveis moradores que ainda resistem no povoado. Alguns não dão muita importância a esta tentativa e acham que não acontecerá nada como da outra vez. Especialmente, os de idade mais avançada acreditam que poderão acabar os seus dias no povoado que viu eles nascerem. A dia de hoje, em fevereiro de 2015, não há notícias de que tenham sido desalojados.

Rota 61.

De qualquer jeito, espera-se que muitos dos antigos habitantes regressem ao povoado em 2016, embora seja apenas por um dia, para abrir uma cápsula do tempo enterrada em 1966 próxima do monumento dos veteranos.

A cápsula do tempo que será aberta no ano que vem, 2016, pelos ex-moradores de Centralia.

Para onde foi o fogo de Centralia?

Atualmente, muitos internautas da web EUA, comentam que a "fumaça" de Centralia desapareceu. Antes de mais nada, é importante frisar que o que parece ser fumaça, não é bem apenas fumaça, mas sim vapor d'água dos subterrâneos super-aquecidos pelo fogo. Isso não significa que os gases que emanam na superfície sejam inofensivos. Muito pelo contrário, o vapor está frequentemente misturado com dióxido de carbono e monóxido de carbono.

Imagens como esta, só em dias frios.

Hoje, o incêndio da mina de Centralia mudou sua localização original que estava perto do cemitério Odd Fellows. Na verdade, existem três, zonas principais de queima: uma perto da extremidade ocidental da rua sul (South Street), outra à oeste da antiga Rota 61, e uma final a leste perto de Grande Mina Run Road. A mais fácil para explorar é a área no fim da South Street. Para procurar pelo vapor, é melhor visitar o lugar em um dia fresco depois de ter acabado de chover. Isso faz com que o final de outono e o início da primavera sejam épocas ideais para se ter um vislumbre dos famosos montes fumegantes de Centralia.

As seguintes fotos são de Centralia tomadas no dia 25 de janeiro de 2015:

Foto mostrando formações de gelo geradas pelo vapor vindo das profundezas.



Pesquisa/Tradução/Adaptação: rusmea.com & Mateus Fornazari

Fontes:
http://www.centraliapa.org/mine-fire-nearly-killed-todd-domboski/
http://www.offroaders.com/album/centralia/centralia.htm
http://www.imdb.com/video/withoutabox/vi3385393945?ref_=nm_rvd_vi_1
http://www.myunusual.com/downloads/CentraliaC.html
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