segunda-feira, 28 de julho de 2014

Okiku


A boneca Okiku está custodiada no templo Yorozunen da religião Joudo-shuu, localizado na cidade de Kurisawa, município de Sorachi, Hokkaidou, Japão.

A origem da boneca do templo Yorozunen é a seguinte:

No ano de 1918 (Ano 7 do período Taishou), foi realizada na cidade de
Sapporo a Exposição Taishou. Durante a exposição, uma boneca foi comprada nas lojas Tanukikoji, para ser presenteada a uma irmã mais nova chamada Kikuko, que havia ficado em casa. A boneca possuía um corte de cabelo em estilo "Kappa", ou seja, um tipo de corte na altura das orelhas parecido
com o corte de cabelo chanel e era um modelo até moderno para a época, pois o
brinquedo soava quando o peito era pressionado.

Kikuko ficou muito feliz com o presente, tanto que ela brincava todos
os dias com a boneca, mas desafortunadamente, no dia 24 de janeiro de
1919, ela falece com a idade de 3 anos vitimada por uma doença. No seu
funeral, esqueceram de colocar o objeto de sua estima no caixão e ao
encontrarem a boneca mais tarde, decidiram guardá-la junto das cinzas
da menininha e consagrá-la no altar familiar.
A família nos seus afazeres domésticos, sempre lembrando da dolorosa
perda da manhã à noite, acaba por notar que os cabelos da boneca
cresciam com o passar do tempo.

O relato acima, teria sido supostamente escrito por Eikichi Suzuki.

Impressões iniciais sarcásticas dos autores do post original

Essa boneca tinha os cabelos na altura das orelhas inicialmente, e após crescerem até os ombros, teriam continuado crescendo até a sua cintura.
Após o templo custodiar o brinquedo, seus cabelos continuariam crescendo até os dias de hoje, tanto que algumas vezes, os seus cabelos teriam sido cortados.
A alma de uma criança morta aos 3 anos, teria se transferido ao brinquedo...
Tomando emprestado o *nome da proprietária da boneca, a família a batizou de "Boneca Okiku".
Uma história misteriosa e triste...

As implicações e pesquisas do autores do post original

De vez em quando, a imprensa volta a tratar do caso da "boneca que cresce os cabelos", mas como é possível que um brinquedo guardado em um pequeno templo localizado em um cantinho obscuro de uma província longínqua como Hokkaidou, pôde se tornar tão famosa em todo o Japão?

Segundo a reportagem do Sr. Takehiko Koike estudante de história de fantasmas, publicado na revista Takara Jima, número 415 "O Novo compêndio de desmantelamento de casos estranhos da atualidade", essa pergunta é respondida e aqui apresentamos de modo resumido:

Primeiro artigo

Segundo o Sr. Koike, o assunto da boneca foi primeiramente abordado no semanário voltado para o público feminino "Shuukan Josei Jishin" de 6 de agosto de 1962. O autor do artigo, o jornalista Yutaka Mabuchi do jornal "Hokkaidou Housou", visitou junto de um monge, a casa do Sr. Eikichi Suzuki naqueles dias.
Segundo esse artigo, quem pediu para o templo albergar a boneca no ano de 1918, foi o próprio pai do Sr. Suzuki (Autor do primeiro relato) e se chamava Joshichi Suzuki.

Após a consagração da boneca ao templo, o Sr. Joshichi mudou de cidade e seu rastro foi perdido. Quem primeiro percebeu que os cabelos da boneca haviam crescido, foi o monge do templo, 3 anos após o brinquedo ter sido guardado em uma caixa. Ele contou que certa noite teve um sonho, onde aparecia o Sr. Joshichi de pé ao lado de sua cama, banhado em suor e pedindo para o monge: "Por favor...Corte os cabelos da minha filha..." O monge então verifica a boneca na caixa e constata que seu cabelo havia crescido consideravelmente.

No entanto o nome da menina nesse artigo não está como Kikuko, mas sim, como Kiyoko.
Em que se pode considerar que a grande mídia na época, deveria chamar a boneca por outro nome, baseado no nome verdadeiro da menina. Apesar de que esse detalhe não é tão importante, o conteúdo difere bastante do que é contado hoje em dia.

Segundo artigo

Ainda por cima o jornalista Yutaka Mabuchi, escreve um novo artigo para a revista "Young Lady" em 15 de julho de 1968, mas no entanto, o conteúdo é diferente do escrito por ele mesmo, 6 anos antes.
Nesse novo artigo, consta que na Exposição Taishou, quem comprou a boneca foi Eikichi Suzuki (Autor do primeiro relato) e nesse ponto do novo artigo, é contado o episódio da compra da boneca. Entretanto, a boneca teria sido consagrada ao templo no ano de 1938, pouco antes do Sr. Joshichi Suzuki ter ido trabalhar nas minas de carvão da cidade de Minatochou, região de Mooka na então província de Karafuto.

E ainda, o monge descobriu que os cabelos da boneca haviam crescido na primavera de 1955, durante uma grande limpeza do templo. Ou seja, que segundo esse novo artigo, ninguém teria percebido que seus cabelos haviam crescido durante 17 anos.

E por fim, o nome Kikuko aparece como o nome da menininha e pela primeira vez aparece o nome Okiku, com a nota sobre o seu nome ter derivado do nome da proprietária.

*(Nota: Na verdade o nome da boneca é apenas Kiku, crisântemo em português originário do nome Kikuko ou criança dos crisântemos. A partícula O, comumente adicionada no início de certas palavras em japonês, quer dizer algo como Honorável.
Aproveitando a nota, é necessário aclarar que figuram em vários sites que a boneca teria aberto a boca com o passar dos anos...Na verdade, a boneca sempre teve a boca nesse formato, que é por onde sai o som quando seu peito é pressionado. NDT.)

As contradições do jornalista que criou a lenda

Tão estranho quanto os cabelos de uma boneca crescerem, são os conteúdos de artigos escritos pelo mesmo jornalista mudarem tanto em tão poucos anos.
Conforme pesquisamos, descobrimos que há várias descrições duvidosas no artigo do jornalista Yutaka Mabuchi:

Em 1918, não houve uma inauguração da exposição Taishou. A inauguração se deu na exposição de Hokkaidou em comemoração do aniversário de 50 anos de abertura de estradas. Essa exposição foi do dia primeiro de agosto ao dia 19 de setembro de 1918.
Na província de Karafuto, existia a região de Mooka, mas não existia lugar de exploração de carvão em uma cidade com o nome de Minatochou. Segundo o índice de minas de carvão na Wikipédia, não figura uma região chamada de Mooka. (Apesar de existir a mina de Mooka localizada em Kyuushu, ao sul do Japão...)

Portanto, somos obrigados a concluir que os dois artigos escritos por Yutaka Mabuchi carecem de credibilidade. (Basicamente, o semanário "Shuukan josei jishin" sempre foi um depósito de artigos de fofocas...Só para terem uma ideia, o título sem noção do artigo no semanário era: "Oh! Essa voz era a de um fantasma...").

Depois disso, no dia 5 de agosto de 1970, o Jornal Hokkaidou publicou uma coluna intitulada "A história fantasmagórica da boneca Okiku" e o conteúdo "sobre a origem da boneca do templo Yorozunen" é praticamente o mesmo do relato acima. Com isso, a "origem da boneca Okiku" foi completada, mas grande parte foi baseada no segundo artigo do jornalista Yutaka Mabuchi, no entanto, os detalhes foram excessivamente alterados, como por exemplo: "No espaço da manhã à noite, seus cabelos cresciam", uma observação com propositais conotações religiosas.


Apesar das circunstâncias que impedem o leitor de tragar a história sobre a origem da boneca...De fato, seus cabelos cresciam. Como explicar esse fenômeno?
Pesquisando um pouco, o resultado é que acontece com muita frequência que cabelos de bonecas aparentemente cresçam ou aparentem ter crescido.

Os cabelos da boneca e explicação para o suposto crescimento

A boneca Okiku é um modelo Ichimatsu e no passado, se tornaram o brinquedo preferido de meninas, abundando por todo o Japão. Os cabelos utilizados nesse modelo, eram humanos até pouco antes da Segunda Guerra Mundial. (Apesar de que mesmo possuindo tecnologia para criar cabelos artificiais hoje em dia, alguns modelos caros ainda utilizam cabelos verdadeiros.) e no caso da boneca Okiku, acredita-se que foram utilizados cabelos de criança para confeccioná-la.

O uso de cabelos humanos com essa finalidade, pode provocar repulsa em algumas pessoas, mas vale dizer que não se trata de cabelos de gente morta. Naquele tempo, para completar a renda, era comum que mulheres vendessem os seus cabelos que eram utilizados em confecções de perucas e também de bonecas.

Acontece que os métodos de produção na época não eram padronizados e eram bastante artesanais, tanto que as bonecas prontas passavam um tempo nos depósitos das fábricas, aguardando o cabelo assentar para serem uma vez cortados antes de comercializá-las. Ou seja, que de uma boneca recém criada para uma boneca que havia passado um bom tempo no depósito, haviam variações aparentes no comprimento dos cabelos, já que não haviam se estabilizado, dando a impressão de que haviam crescido.

Ainda por cima, os fios de cabelo eram aplicados na superfície da cabeça da boneca, em forma de letra U, cuja parte mais profunda desse arco feito com o fio de cabelo, era fixado na cabeça da boneca com um fio de linha, restando soltas as duas pontas.
Com o passar do tempo, o fio se desloca apenas para um lado, criando a visível impressão de que os cabelos cresceram. O "fenômeno" natural, era ainda mais agravado quando meninas penteavam, acariciavam e puxavam os cabelos do seu brinquedo favorito. Confira na imagem.
Aparentemente, a boneca Okiku não era um modelo muito caro e esta explicação tem uma grande possibilidade de se encaixar no caso.

Mais inconsistência causada pelo jornalista Mabuchi

No entanto, uma boneca que inicialmente teria os cabelos na altura das orelhas, os mesmos alcançariam a sua cintura?
Verificando a incompatibilidade nos artigos do jornalista Yutaka Mabuchi, até mesmo esse detalhe é inconsistente.
Pesquisando sobre as bonecas Ichimatsu, descobrimos que a grande maioria sempre possuiu os cabelos na altura dos ombros ao peito e as com cabelos na altura das orelhas, eram raras.

Apesar de todas estas explicações, restam ainda algumas questões específicas como por exemplo, de que modo os fios de cabelos foram fixados? Qual o nome verdadeiro da proprietária? Essas indagações só poderiam ser respondidas, visitando o templo e analisando a boneca bem de perto e portanto, não podemos dar um veredito definitivo sobre o caso.

Apesar de não podermos afirmar que a história da boneca Okiku é uma grande farsa, não podemos concluir este artigo sem ficar com a impressão de que o jornalista Yutaka Mabuchi alterou drasticamente o caso, criando uma lenda forçada em volta do brinquedo

Especificamente estas partes podem ter sido forçosamente alteradas por Mabuchi:

O comprimento dos cabelos da boneca chegava aos ombros, mas para reforçar a ideia de que "haviam crescido", contou que o corte de cabelo era um chanel curtíssimo. 
Para aumentar a credibilidade, a história que passa no período Showa (1926-1989), foi colocada como sendo do período Taishou (1912-1926). 
A parte do relato em que o pai da menina aparece em sonho ao monge, é um clichê forçado e batido de história de fantasmas. 
O nome da proprietária e da boneca foram alterados para Okiku/Kikuko. (Uma tentativa de induzir o leitor a associar o nome com o da personagem Okiku da clássica história de fantasmas "A casa dos pratos".)

Falando de modo mais direto, após o templo Yoruzunen acolher a boneca, seus cabelos realmente cresceram?
Existem muitos livros e sites dizendo que os cabelos da boneca continuam crescendo até os dias atuais, mas na verdade, os cabelos não cresceram absolutamente nada do que afirmam.

Isso é ainda mais evidente quando se compara as fotos antigas com as mais recentes e se percebe que tanto o volume quanto o comprimento não se alteraram em muitos anos...E a propósito, não se encontra em nenhum lugar, uma única fotografia da boneca com os cabelos ainda curtos, sejam do começo da história ou após os monges terem supostamente cortado os seus cabelos.


Só quem pode saber da verdade, seria a própria boneca Okiku...

Tradução/Adaptação/Investigação: rusmea.com & Mateus Fornazari

http://blogs.yahoo.co.jp/to7002/33194958.html
http://nikkan-spa.jp/1763
http://www.nazotoki.com/okiku.html
http://ja.wikipedia.org/wiki/%E5%B8%82%E6%9D%BE%E4%BA%BA%E5%BD%A2